O peso que é não mudar
Às vezes parece chato, demasiado entediante, a vida parece mecânica por demais, repetitivamente a mesma, apenas com mudanças que não mudam de fato, os horários são os mesmos, as situações, iguais, as experiências, não mais inéditas.
É cansativo, dispendioso é todos os dias fazer o mesmo, não há precisão de pensar, tudo ocorre sem a necessidade de entendimento, o corpo responde dentro dos parâmetros, não há o que responder, apenas replicar, sempre obedecer, nunca desrespeitar.
Assim o tempo vai passando, sem nada mudar, a vida passa por ti, mas tu não passas por ela, foi tudo um lampejo de existência, um sopro fraco, sem vontade, que tu nem mesmo assimilaste, estavas tão petrificado pelos teus sonhos, tão distantes, por tua realidade, tão fugaz, que esqueceste de seguir em frente, tudo tão pouco mudou que nem mesmo saíste do lugar, deixaste que teus pés fincassem o chão, achando que ali era teu local, criaste tantas raízes que não ousou cortá-las, por achar que quanto mais profundas, melhor seria tua condição.
Reles engano, te tornaste escravo de tua rotina, principalmente de tuas raízes, já tinha ido longe demais, acordar era um fardo, não havia mais a mesma disposição para continuar, dormir era um refúgio, os gritos por socorro eram muito altos, mesmo sem haver um barulho sequer, os olhos denunciavam a dor, mas ainda assim, qualquer chance de ajuda era falha, tu ainda não tinhas entendido aonde havia chegado, como na mais perfeita escravidão, tua porta estava aberta e ainda assim tu não ousavas sair, a vida tinha feito de ti vassalo, em partes por tuas escolhas, em outros momentos por não ter questionado as consequências, por as ter aceitado de bom grado.
E assim a morte chega mais rápido, porque ela vai chegando aos poucos, tu deixas de existir um pouco a cada dia, vais definhando aos pedaços, todos os dias uma parte de ti fica na cama, porque levantar é custoso, e tu nunca vens por inteiro, fica um pouco de ti nas ruas, porque agora tudo é preto e branco, e não há mais o que contemplar, principalmente fica uma grande parte de ti ao dormir, pois ali é a própria morte, e tu não desejarias nunca mais acordar para viver o mesmo, e quando nasce o dia, tu não nasces, ainda é o mesmo, ordinariamente igual, com o mesmo desejo, o de nada desejar, apenas que tudo isso acabe, e de vez, porque já está encerrado há muito tempo, quando tu decidiste ser prisioneiro de si mesmo, e nada pior do que ver a porta escancarada e não poder sair, nada pior.