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Aos doutores


Eu conversava muito com ele, achava-o fantástico por todo o conhecimento que carregava, via o recém título de doutor e ficava imaginando quanta bagagem representava tudo aquilo, o número de livros lidos, as pesquisas feitas, as aulas ministradas.


Mas quando eu falava da vida, ele sequer tinha noção do que era, o mais básico era extremamente complicado para ele, conversava sobre experiências e as deles eram quase inexistentes, era puro verbalismo, estava totalmente imerso em conceitos, os mais diversos.


Aparentemente, eu, tão jovem, já tinha passado por mais situações que ele, arriscado mais, talvez, saído um pouco dos livros, ou nem sequer chegado, ao menos com a intensidade dele, com toda aquela voracidade.


Ao mesmo tempo que me impressionava todo aquele saber, deixava-me inquieto o fato de o mundo real estar tão distante dele, ele via a vida por intermédio das teorias, de forma extremamente conceitual, através da visão alheia, que eram todas, menos a dele, aparentemente contentava-se com os resultados do mundo obtidos pelos outros.


E eu mesmo percebi que tinha uma visão errada sobre os títulos, como se o dele o conferisse uma extensa lucidez acerca do mundo, sobre tudo, mas que no fundo, ele só era doutor em uma parcela muito ínfima do conhecimento, muito minúscula mesmo, e que aquilo não abrangia a totalidade, por mais que ele tivesse ainda mais se resguardado naquela condição de razão, todo o restante era ignorância, seus méritos não eram em torno da vida, mas sim de um tema, que de certa forma, dificilmente se aplica às vivências comuns, ao dia a dia, ao mundo sensível.


Qualquer adolescente era mais doutor que ele em vida, tinha mais conhecimento de causa, via o mundo com mais prática, não que isso seja muita coisa, mas é um desperdício muito grande deixar tudo isso de lado, o que é de verdade, o que livro nenhum mostra, e ele abdicou desse universo, do comum, em prol de uma abstrata complexidade.


Não sei como todas esses teorias servirão no fim, nem se elas de fato deixarão o caminho mais fácil, nem se toda essa grandiosidade é realmente a melhor saída, só acho uma omissão pouco válida esquecer as pequenas composições, elas estão aí, e são as mesmas que estruturam principalmente a realidade, possivelmente alguns doutores esqueceram disso, ou nem mesmo nunca souberam.


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