O necessário entender das engrenagens
Percebi que é difícil entender as engrenagens da vida, do quão complexa ela é, digo isso por mim, mas ainda mais por todos os outros que se recusam ao menos a tentar.
É infeliz que já tenham se entregado, que já tenham desistido, ou nem sei se ao menos chegaram a tentar uma vez, e não apenas como se move a vida, porém também o mundo, as milhares de peças, acessórios, além das ilimitadas maneiras de se montar.
Tudo é tão maior quanto consegue abarcar nossos fugazes pensamentos, a realidade é tão mais vasta e densa, não é um demérito não a entender, mas uma tristeza jamais empenhar-se em ir além, em justamente conformar-se com ela.
Mas o real é frio e exposto, a ferida não cura e o sangrar não cessa, o peso tem sido carregado durante séculos e sequer mostra sinais de avanço, nós choramos incessantemente procurando o esclarecimento, uma possível redenção, porém há algo que sempre corrói as esperanças, nitidamente não nos deixam passar, eles possuem consigo o peso da história, do tempo, da imutabilidade, são frutos de um intenso pesar, o do não mudar, o de continuar sendo infinitamente os mesmos, sabendo que estão amparados, que nada pode afetá-los, e quando sim, uma mão gigante os protege, como sempre tem protegido, essa mão que existe há mais tempo do que podemos imaginar, e jamais reluta em agir, ela é maior do que todos nós e não pode ser sentida, até mesmo porque nunca lutou do nosso lado, soa como uma lenda, mas tão viva que chega a arder, arde, pois ela está do outro lado, aberta como uma armadura, e visível, como o maior dos horrores vistos.
Eis a proteção dos que pararam no tempo, daqueles que de alguma maneira são soldados do passado, que apesar dos pesares, sentem-se aliviados com o rodar das engrenagens, por mais que elas estejam tortas e quebradiças. Eles entendem bem a necessidade de mudar, ou no mínimo possuem um vago entendimento, mas modificar-se e decidir partir é uma tarefa muitas vezes indigesta, para esses, uma loucura, mas tudo bem, não são aqueles os que mudam o mundo, suas realidades já são demasiado confortantes e completas, que vivam suas supostas plenitudes.
No fim, a grande questão é a de que tudo continuará funcionando, perfeitamente ou não, possivelmente o golpe final seja escolher o seu lado, entender o processo e modificá-lo, ou simplesmente permanecer o encarando, de forma apática, enquanto outros seguem estarrecidos ao ver o desmoronar do conjunto, e ainda assim encontram forças para suportá-lo e projetarem uma reconstrução diferente, tudo isso sem a ajuda da mão gigante. Sim, sim, são tempos difíceis, mas os sonhadores são inesgotáveis, eis o diferencial, o alimento é distinto, a mudança é edificante, e eles entenderam bem isso, seguem inconformados, o mundo precisa disso, eles são o contraponto, a pedra no calçado, o incansável instigar, dessa forma tudo continua girando, sem saber para qual lado, mas funcionando com veemência, talvez essa seja a chave, incompreensível, porém verdadeira.