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O remorso que é criar para a liberdade



Ela tinha uma ideia fixa, a de que éramos pássaros, e assim deveríamos passar pela vida, inclusive desta maneira ensinar, a voar, ser livre, perder-se em meio ao mundo, mas ela esqueceu algo primordial, de mostrar como voltar, ou mesmo dar motivos para isso, bem sabia que todo voo cansa, toda ida precisa de volta, porém só deu uma passagem.


Era perceptível o pesar de saber dos próprios ensinamentos, do quão eram benéficos, mas do quanto machucavam também, não era fácil lidar com os que não retornam, ou ao menos esquecem de que deveriam vir ao local de partida.


Mais ainda de notar que ela mesma tinha criado tudo aquilo, todo aquele embaraço, via-se sem saída, afinal, estava começando a sentir a força da solidão caindo sobre si, e já não havia mais tanto vigor para buscar além do seu aparente conforto.


Ela nem mesmo sentia-se mais parte daquilo que criou, como se tivesse cumprido sua tarefa e assim terminado o ciclo, era um embate inglório, sabia, não existia conquista nenhuma ali, no jeito que tudo tinha sido redigido, no organizar das palavras, na colocação das sentenças, ela não era ingênua, mas ainda assim jamais daria o braço a torcer indicando que sua inclinação para a razão tinha dado errado o bastante para deixar transparecer seu incômodo.


Notório era que ela seguia com essa ferida exposta, mesmo que devidamente camuflada, somente sendo perceptível em alguns ínfimos momentos de descuido, quando a vergonha era aparente, e o orgulho, pesado demais para sustentar.


Suas criações tentavam sobretudo lutar contra as próprias naturezas, apesar de as idas serem demasiado longas e memórias igualmente escassas. Entretanto, é dispendioso encontrar razões para regressar quando pouco se tem, quando a razão sempre brada mais intensamente e os vagueios são mais duradouros.


Dói, dói no criador e na cria, simplesmente porque vir é necessário, entender não é dificultoso, o que machuca é não ter a necessidade, apesar de saber onde fica a casa, é ficá-la encarando e não compreender o porquê retornar, é ela permanecer aguardando o regresso, mesmo sabendo que as asas foi ela mesma quem moldou, é um jogo em que ninguém cede, o método da criação não pode ser dado como inexato, seria admitir estar errada, assim como a precisão de dar prosseguimento ao resultado dela, uma disputa em que ninguém ganha, belo como seja o voo, eficaz como seja o processo, nenhuma viagem será eterna, nenhuma técnica será perfeita, e assim continuarão perdendo, apesar de já estarem basicamente perdidos.


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