O impasse entre o viver e o lembrar
No fim, não possuiremos mais lembranças, apenas parcas passagens do que passou, não teremos retratos, pois nada talvez tenha sido de verdade, tão irreal que não mereceu ser revelado, apenas mostrado, publicado, mas rapidamente esquecido e enterrado.
Foram tantos momentos, que sequer foram de fato vividos, inúmeros registros, tão facilmente perdidos no tempo, cobertos de poeira e indiferença, sorrisos muitas vezes forjados, o que estávamos tentando fazer, quando todo o necessário era apenas vivenciar verdadeiramente o presente, nem ao menos pensamos no futuro, quando tudo seria memória, lapsos de um passado possivelmente experimentado, tentativas muitas vezes falhadas de sucesso.
Assim fomos indo, enganando quem menos deveríamos enganar, seguindo cegamente por um vale perigoso demais para que fôssemos negligenciando cada singular experiência, pensando já entender em demasia o emaranhado de combinações que a vida pode assumir, insanos demais para formular algum entendimento, ou quem sabe estávamos justamente atrás de tal sabedoria, tão ávidos por viver que nada era mais importante do que o exato momento do agora, o inquieto desejo de tomar tudo pra si, envoltos em um turbilhão de ações, periodicamente refeitas, tanto quanto esquecidas, quase que como uma investida para a eternidade.
A grande questão é que em algum momento tudo volta, e se formos incapazes de lembrar religiosamente cada detalhe, será ainda mais complicado entender o que tudo se tornou, será como olhar para meia dúzia de recordações e não ter a mínima ideia do que se passou, evocaremos alguns escassos momentos e é possível que nem nos identifiquemos, incapazes de perceber sobriedade em nossos olhos, notaremos que muito foi em vão se não pode ser recordado, e este será o pior dos momentos, pois lembraremos que não há o que lembrar, e no que restar, não nos reconheceremos, não levaremos nada, nem mesmo os pensamentos, pois foram perdidos em confusão, desgastaram-se com o andar da vida, é possível que não seja de todo mau, pois iremos como viemos, libertos e virgens, afinal.