O enfim desatar
Meus escritos já não eram mais para ti, tudo aquilo que havia sido feito aparentemente não tinha mais um fim, alguém para inspirar. Eles evocavam algo, e ao que parece, não era mais a tua imagem, tua feição. Não foi pouco, bastante ficou apenas nos arquivos, sem que nem mesmo tu tivesse visto ou soubesse da existência. Ainda estão lá, com datas muito bem definidas e traços tão teus, que mesmo eu, que escrevi com tamanho afinco, sequer reconheço mais. Estão demasiado nublados agora, sem que eu possa entender o real significado. Lembro-me bem o exato momento em que os fiz, os momentos, para falar a verdade, pois foram vários. Ao que tudo indica muitas vezes não temos noção do real impacto que causamos no outro, o quanto o atingimos, ou mesmo em que situação o corte tornou-se tão profundo. A faca cega, enferrujada, parece que nunca vai conseguir realizar o seu feito, mas assim o faz, mesmo sem tanta lisura ou requinte, às vezes parece que nunca vai chegar a causar algum impacto verdadeiro, só que enganados prosseguimos. Tua face já não vinha mais tanto ao palco, uma solenidade em que tu não era a homegaeada, por vezes era estranho constatar isso, o fato de que todo espetáculo chega ao fim, por mais que nunca se saiba exatamente a hora de encerrar, a voz falha, ou a perna cansa. A questão é que já não era com a mesma frequência. Felizmente isso não me assusta como antes, possivelmente o afago resida nisto, em saber que aos poucos as imagens vão se dissolvendo, tudo vai se tornando um lembrar, misturando-se com outras experiências, ou enfim, tornando-se bagagem, como tudo na vida. No fim, não é de todo ruim, fecha-se uma porta para se abrir uma janela, as funções não são as mesmas, mas cada um com seu legado, sua marca, tudo no seu devido lugar.