Cheia de feridas
Cheia de feridas, eu diria, foi como ela me passou todos os seus ensinamentos, tão completos de remorsos, cheios de incompletude, como em um aviso estampado, não trilhe os caminhos os quais eu percorri, as sinuosas veredas do sentir, e então, do enfim perder. Crescer ouvindo sobre o não ir, sobre o não se entregar, moldado nas formas de quem se machucou, daquela que em tantos momentos a vida não teve complacência. Quem foi machucado, machuca, eterniza sua dor perante o outro, perpetua seu passado atingindo aquele que está na frente, infeliz é a constatação. Assim, as marcas se estendem no tempo, quase que como uma dor única, sentida por todos aqueles atingidos, transforma-se em um bem de família, que muitas vezes nem os anos conseguem dissolver. São lesões de outros momentos, escoriações das quais não fiz parte, é uma dor muito pessoal para ser entendida na fonte, seria estarrecedor demais ver a causa de perto, não sei se conseguiria, seria entender todo o processo, e inúmeras são as situações em que ganhamos mais ao saber menos. Que seja daqui pra frente, que usemos o passado para entender o presente, mas não para atravancar nosso futuro, que saibamos ir, mas igualmente retornar, e que voltemos melhores, afinal, nenhuma viagem é válida se não trouxer o novo, mesmo que seja revisitando detalhes passados, caricaturas de nós mesmos ou alheias, nos aventuremos sem esquecer que é de hoje em diante.